Yvonne Miller nasceu em 1985 na Alemanha, mas prefere o calor do Nordeste brasileiro, onde mora desde 2017. Cronista e contista, tem textos publicados em várias antologias e é uma das organizadoras e coautoras da coletânea de contos cearenses Quando a maré encher (Mirada, 2021). Pela Aboio, publicou Deus criou primeiro um tatu – Crônicas da Mata (Ed. Aboio, 2023).
Não lembro quantos caldos eu já tomei tentando surfar as tuas ondas turvas. Não sei quantas vezes fiquei submersa nessas águas salgadas, de cabeça pra baixo, a prancha voando pelo ar. Outras – poucas – que deslizei veloz e suave em direção às tuas areias brancas, o vento batendo no rosto, sal nos lábios, sol nos olhos, aquela felicidade. Tudo valeu a pena. Aqui, na Praia do Futuro, tua paisagem é tão mais encantadora do que na nobre irmã.
Beira-Mar, a bem-falada, badalada, pipoqueiros e forasteiros percorrendo sua calçada, o mar verde comportado, mercado de peixe, feirinha, aquela bagunça de vozes e gente. Fujo aos pés de Iracema, água de coco com reggae. Espigão da Rui Barbosa, pôr-do-sol. Daqui é só um pulo para o Dragão do Mar, melhor cinema da cidade, o Juruviara cantava no bar, a gente dançava forró e só não me lembro por que eu nunca entrei no planetário. Deve ser dessas coisas que a gente deixa para depois e depois nunca faz. Ver as estrelas para quê, se tinha você ao meu lado?
Lembra quando vimos Chico César, Ana Cañas ou Silvero Pereira em “BR Trans” na Caixa Cultural? Em toda Berlim não tem um espaço cultural que eu goste mais do que dessa dupla perto do mar. Mas você tem mais do que o mar: tem rio, dunas, manguezais, e o Parque do Cocó. Refúgio para mim, as garças e os soins, como se estivéssemos, de fato, na mata. Na mata passei um bom tempo, mas confesso que às vezes morria de saudade da tua urbana alegria. Dos rolês literários, do Benfica com a livraria Lamarca e os bares “onde a esquerda grita seus palavrões” (lembra do Fabrício Corsaletti? Ele também se encantou contigo). Da noite no Mercado dos Pinhões, samba ao vivo e uma feijoada desconstruída no prato. Tenho que dizer que no final aprendi a saborear teu cardápio: a moqueca de arraia no Le Bené na Sabiaguaba, o peixe fresco na Pedra, a quinta-feira da ostra e, quando batia muita saudade de Berlim, o shawarma na Praça da Imprensa.
Dos 297 anos que você faz hoje, te acompanhei durante três. E dia desses voltei a ver, nas tuas praias, o meu futuro.
Fortaleza, 13 de abril de 2023
Foto: Luísa Machado.